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Há pelo menos 17 anos, participo de alguns tipos de discussões sobre alterações no modelo de remuneração, em congressos, fóruns, workshops, reuniões com clientes (hospitais e operadoras de planos de saúde), em cursos ministrados ao longo da minha carreira no segmento (23 anos dedicados ao desenvolvimento, gerenciamento e implantação de metodologias / sistemas de apuração de custos em instituições de saúde), em conversas com amigos que atuam na área, em algumas reuniões com médicos dirigentes ou presidentes de associações de classe, e até em encontros entre prestadores (hospitais) e compradores de serviços (operadoras). Todos esses públicos tinham por objetivo melhorar a relação de remuneração e negociação entre eles (sim, já existiram iniciativas no passado, que foram válidas, mas com pouca repercussão ou resultado).
No passado, essas conversas eram tão conturbadas e delicadas, e todos demonstravam extrema desconfiança. Os prestadores de serviços se sentiam explorados regularmente pelas operadoras, e estas, por sua vez, tinham a sensação de estar remunerando além do necessário (“justo”) pelos serviços prestados.
E infelizmente esta abalada relação permanece até hoje. O mais intrigante em toda esta panaceia é que um depende do outro, ou seja, não existe operadora se não houver hospitais, clínicas, SADTS (serviço de apoio diagnóstico e terapêutico), etc, e vice versa. Este aspecto é tão crítico que já tive a oportunidade de desenvolver trabalhos (através da empresa de consultoria em que prestava serviços na época) para apaziguar e mediar a relação entre as partes. Isso aconteceu há 16 anos. Para cada um dos lados se precaverem diante deste dilema, desenvolvem-se estruturas que acabam gerando um forte incremento em custos, pois de um lado está os prestadores de serviços com pesadas estruturas e eficientes sistemas de faturamento para não deixar nada escapar, (e estão certos, pois o sistema é formatado para ser desta maneira) e do lado das operadores, as análises dos auditores (equipes com médicos, enfermeiros, assistentes, dentre outros profissionais) que procuram descobrir o mínimo detalhe de alguma inconsistência no uso de insumos ou práticas que envolvem maiores custos, e definem as famosas “glosas”, que geram uma das dissonâncias mais acirradas entre as partes envolvidas. E nesta área cada um procura mecanismos para melhorar (ou às vezes piorar o relacionamento).
O cenário discorrido acima tem por objetivo exatamente suscitar uma reflexão sobre as mais recentes conversas e tentativas sobre mudanças no modelo de remuneração com envolvimento da ANS, 17 hospitais e nove operadoras iniciaram um ensaio, um teste em 2013 que se estenderá ate o final de 2014. Desde 2010, entidades de ambos os lados estão se reunindo e definiram algumas premissas, que estão sendo praticadas nestes ensaios.
Considero importante destacar que muitas instituições praticam a conhecida negociação por “pacote”, mas sem muitas regras, com diversas exceções e sem um ingrediente importante, que está sendo inserido no modelo proposto atualmente chamado de “procedimento gerenciado”, que leva em consideração o envolvimento do profissional médico, o consenso e a padronização para definir a negociação.
Fatores de extrema importância, que podem ser o marco divisório entre as negociações realizadas até o momento (pacotes), e a partir de agora (procedimentos gerenciados) também acredito que o envolvimento da ANS proporciona mais credibilidade para estes trabalhos.
Uma das grandes dificuldades no modelo atual (fee for service) concentra-se na dissonância existente, na qual os prestadores de serviços (hospitais) recebem valores inferiores aos custos com a venda de serviços (diárias e taxas), gerando prejuízos que são compensados com consideráveis ganhos na comercialização de materiais, medicamentos e órteses e próteses.
A remuneração por procedimento gerenciado é um tentativa de corrigir estes desvios. Estamos no momento de começarmos a refletir e conhecer o resultado do tratamento por inteiro, do produto (cirurgia), superando um paradigma e uma forte cultura. No momento em que esta ideia de remuneração for avante, os prestadores de serviços terão à frente uma nova forma de avaliar os resultados, não haverá mais resultados por setor (centro cirúrgico, UTI, unidade de internação, etc). Teremos sim de conhecer e controlar os custos destes departamentos, mas estaremos entrando em um momento de apurar os custos e conhecer os resultados por paciente, por procedimento, por operadora. Assim, o modelo de negociação vai sofrer uma forte alteração, não vamos nos preocupar com a margem de negociação dos materiais e medicamento, e com o reajuste da diária, as conversas com operadoras no momento das negociações passarão a ser por procedimento, na qual poderão ocorrer situações em que seja vantajoso para o prestador de serviço dar um desconto para um procedimento de colecistectomia, mas necessitar de um rejuste em dobro para uma revascularização do miocárdio. São situações que precisamos pensar agora para não ser surpreendido no futuro.
Não acredito em retorno, que os ensaios poderão não dar certo, e tudo voltar atrás. Não tem espaço para retorno, pode haver algum ajuste, alguma adaptação, mas acredito ser quase impossível fechar as portas e voltarmos a conta aberta, com todas as incoerências e estímulos ao maior custo.
Isso posto, é primordial conhecer, gerenciar e monitorar os custos setoriais, dos pacientes e procedimentos, e cabe destacar que desenvolvo estes trabalhos há mais de 20 anos, mas infelizmente, apesar de todo esforço e dedicação ainda são muito poucos, os hospitais que conhecem quanta custa um determinado procedimento. Atualmente há muitos sistemas (que alguns deles colaborei no desenvolvimento) integrados com módulos de custos que propiciam informações de estrema qualidade, mas só o sistema não resolve. É necessário uma conscientização e um grande treinamento e preparação da equipe da instituição para a implantação de uma gestão de custos dinâmica e confiável, um trabalho de consultoria encurta caminhos e reduz custo para a obtenção das informações, e propicia dados imprescindíveis nos processos decisórios e negociações nos dias de procedimentos gerenciados. Temos pouco tempo, sugiro uma reflexão rápida, pois o amanhã já chegou!
Eduardo Regonha
Diretor Executivo